Uma Viúva-Negra como Saco
Pois o escrevinhador
manicaca confessa que tem medo de cobra.
Porementes, isso é só o começo: por um motivo ainda não
esclarecido e por mais estranho que pareça, de aranha tenho verdadeiro pavor.
Quando piá de campanha, várias vezes, do alto de meus
nove, dez anos de idade, matei várias cobras cruzeiras de médio porte (dois a
quatro palmos de comprimento) com modesta varinha de alecrim, arrancada do chão
com a batata da raiz, que era usada como a arma fatal das tais cruzeiras.
O pior desta história é que quando a gente contava para
os adultos o que tinha feito, estes faziam de conta que repreendiam, mas num
tom que era quase um elogio à coragem e eficiência do piazedo como
exterminadores de animais peçonhentos.
Mas sempre, ao ver uma aranha de porte médio para cima o
pavor quase me paralisa.
Em anteriores postagens já falei da minha precaução com
os tequinhos aqui no hangar: como sempre me falassem que Creolina espanta
cobras e aranhas, andava gastando quase que mais com o dito repelente do que
com a gasolina dos voos. Coincidência ou não, dentro do perímetro isolado com o
borrifamento de água e creolina, nunca encontrei cobra ou aranha.
Mesmo com esses cuidados ainda me borrava de medo de, em
pleno voo, descobrir a condução de uma passageira não convidada ...
No preparo do avião, além do check-list convencional,
acrescentava sempre o item: - célula livre de animais venenosos, inclusive
aranhas.
Sempre mantive o costume de, ainda que não fosse exigência
regulamentar, usar capacete, pelo menos nas decolagens e pousos. Isso porque
conheci muito caso de piloto que quebrou o focinho ou o material pensante ao
bater o coco no painel ou outra parte do avião.
Como “respeitador” de cobras e aranhas sempre checava a
parte interna do chapéu protetor, abrindo o forro, para ver se não tinha algum
ser comprido ou multipernado querendo voar de saco.
Num belo domingo tive que fazer um voo meio comprido no
famoso 15 Bis, uma cruza de Netuno com Kitfox, construída pelo Carlos Ramão
Ledur, e motorizado com um prosaico motor Volks 1600, carburação simples. A não
ser a potência meio bastante fracota, no demais o tequinho era muito bom. Excelente
de comandos, estável para o peso e categoria.
Saí aqui da pistinha da Palma, me larguei no rumo de
Santiago e Bossoroca. Fui tirando uns retratos, como diz o Jader Dutra (Jajá) e
já cheguei em Bossoroca com uma duas horas de voo.
Hora de completar os tanques e pôr alguma coisa no bucho.
Deu acaso que pousei na pista do saudoso Telmo Dutra bem
no momento em que ele estava indo para casa, pois era hora de almoço.
Rapaziada: nem lhes conto. Tive tanta sorte, que cheguei
bem num dia em que se festejava o aniversário, ou do Telmo ou do filho dele.
Era um domingo de muita sorte, aquele.
Por uma questão de etiqueta tive que fazer hora depois do
almoço, mas, lá pelas tantas, não dava mais para adiar a decolagem.
- Telmo, me desculpa, a comida estava excelente, o papo
melhor ainda, mas tenho um Rodeio para fotografar em Bossoroca e a hora de
maior movimento lá está chegando. Pede para alguém me levar à pista.
Pois homem parou tudo, pediu licença aos convidados e me
largou junto ao tequinho.
Gente hospitaleira era o Telmo. Lamentavelmente meses
depois o enorme coração hospitaleiro inventou de falhar e o Telmo foi fazer
voos mais altos do que os que sua aeroagrícola fazia na região.
Como cheguei à pista em cima do laço, fiz um cheque
apressado, apertei os cintos, coloquei o capacete e nos largamos, o 15 Bis e eu
– só o risco e o fedor nos céus da Bossoroca, terra do Noel Guarani.
Voava eu, feliz que nem mosca em tampa de xarope, grato
pela churrascada, a manifestação de amizade do Telmo e o dia calmo e limpo para
um final de voo tranquilo e gratificante.
Ia tudo assim, senão quando sinto uma coceirinha entre o
capacete e o coco.
“Será que o anticaspa não está fazendo efeito?” pensei.
Mas aí a coceira tomou o formato de perninhas se
movimentando.
Estava completa a desgraça: ou esse bicho me pica e o
veneno me tonteia, fazendo perder os sentidos ou parte deles e não consigo mais
pilotar ou mantenho a calma, mesmo cagado, tento tirar o capacete com
caranguejeira, viúva negra ou sei lá que aranha gigante sem que ela injete o
terrível veneno.
Abri a janela para, caso conseguisse tirar o capacete sem
ser envenenado, jogá-lo fora com aranha e tudo.
Desafivelei, dei um jeito de ficar com o manche no meio
das pernas e pilotar sem as mãos, o que, felizmente já tinha prática em fazer.
Em cada lado do capacete uma das mãos, para ser rápido no
arremesso do monstro que planejava me fazer de seu almoço.
- Um, dois, três: saquei o capacete e já ia arremessando
janela a fora quando a terrível viúva-negra se transformou numa rã que pulou
para o parabrisa, onde ficou me olhando com uma cara mais assustada do que a
minha.
Acho que deve ter pensado: “Eu é que não fico neste avião
cheirando merda por duas horas”.
E pulou pela janela.
Nunca mais deixei o capacete no hangar e, mesmo assim,
acho que levava mais tempo examinando a forração dele do que em todo o resto da
rotina de preparo para um voo.
13 de agosto de 2023.
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