E mais futricava do que voava.
Num belo dia encasquetou que o seu ML
200, 300, 400, 401, sei lá, estava com algum problema de carburação. E mãos
à obra.
Desmontou o carburador, limpou,
assoprou, regulou e tudo o mais que uma furungação
de respeito exige...
Veio a hora da montagem que, para mim,
é a pior de todas: como mecânico desmontador, até quebro o galho, mas como
montador, sempre enfrento a famosa sobra de peças ...
Pois o Pacheco era um futricador mais
preparado: montou o carburador e não
sobrou peça. Infelizmente.
Após montado, nada restava, senão
colocar o carburador no ultraleve. Colocado, havia que testar o funcionamento.
Como o aviãozinho ficara um bom tempo
sem funcionar, a bateria se fora e o jeito era fazer pegar na manivela. O
improvisado mecânico aeronáutico passou à categoria de relojoeiro: dê-lhe corda ... E é bom esclarecer que ele
era dono de uma relojoaria.
O ML estava meio temperamental naquele
dia e não queria pegar. Ou queria preservar o dono.
Finalmente, quando o homem já estava
com o braço que nem o do Popeye de tanto dar hélice, o ML pegou.
Como todos sabem, neste tipo de avião,
ao se dar hélice, fica-se numa posição bastante perigosa, entre a dita e o
conjunto leme/profundor. Pois foi nessa
posição perigosa que o motor pegou a pleno, pois o novel especialista em
carburação montara alguma coisa errada.
Veio, então, a luta por segurar a
cavalaria do motor, que, no caso tinha comido muito milho e estava com energia
de sobra. Não deu outra: o avião foi mais forte e a traseira do ultraleve passou
por cima do apavorado mecânico que, por pouco não foi arremessado contra a
hélice girando a mil.
Avião é feito para voar e foi o que
aconteceu com o recém-consertado ultraleve. Horas e horas decolando, pousando,
cruzando pelos céus, que, no subconsciente da máquina, ficam gravadas todas as
dicas do piloto ou instrutor, e ninguém ignora que avião tem alma, vontade,
temperamento ...
Ganhou os céus de Gravataí o avião do
Pacheco.
Mas não pensem que decolou de uma pista em meio a
grande área deserta. O aeródromo além
de curto, cercado de redes elétricas e árvores, ainda tinha a “vantagem” de
estar rodeado por vilas na maior parte dos lados e, num outro, pela obra da GM.
Todos nós, pilotos, não resistíamos à
tentação de ver o progresso da primeira fábrica de automóveis a se instalar no
RS. Por isso o aviãozinho já sobrevoara várias vezes tal obra e, como ultraleve
também é bicho curioso, mesmo sem piloto, o ML encasquetou de ver a montadora.
Quando o Pacheco viu o avião rumando
para aquelas bandas, dizem que foi um tal de pegar-se com todos os santos
conhecidos e os que estão por ser canonizados. Se caísse nas instalações da
multinacional, mesmo vendendo tudo o que tinha, o homem teria de reencarnar um
montão de vezes, para pagar o prejuízo.
Dê-lhe rezar.
Ou por serem fortes as rezas, ou por
ter quase todo o avião alguma tendência, o aeromodelo criado a Toddy começou a
fazer uma curva.
Vendo as preces atendidas, o Pacheco,
homem reconhecido, começou a rezar pela graça alcançada.
O solitário brinquedo voador curvando,
curvando.
Quando o fervoroso cristão abre os
olhos, eis que um ultraleve kamikaze
vinha na final dum mergulho certeiro e mortal, bem na direção do seu amado
dono.
Que rezar, que nada. O Pacheco, mais o
seu Oly, o guarda-campo e guarda-sítio, correram para trás das colunas do
hangar, na esperança de não serem atingidos diretamente pela mortífera
aeronave.
O guerreiro invisível sabia muito bem o
que queria e prosseguia com os dois na alça de mira.
Foi um tal de pedir perdão dos pecados,
que os céus, donde vinha o perigo, tivessem piedade e acolhessem duas almas
cristãs no paraíso.
O Céu ou o Inferno deviam estar com
problemas de superlotação e, uma providencial rajada de vento bateu no leme da
máquina exterminadora.
O ultraleve recém-regulado, com motor afinadíssimo,
rendendo todos os hps possíveis foi, incrivelmente, estatelar-se numa lavoura de cana a apenas 100
metros da pista, mas ainda dentro do sítio de seu piloto, sem causar qualquer
dano a terceiros. Nem destruíra a GM, nem matara ou ferira os dezoito ocupantes
de cada uma das casinhas ou barracos das vilas próximas.
Dizem que, depois desse susto o Pacheco
furungava, mas, em carburador, nunquinhas.
O referido é a mais pura verdade e dou
fé.