O internauta colabora

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sábado, 20 de fevereiro de 2021

O Lobo Virou Estrela

     

   


 

    O cidadão  da direita era o Lobo, cachorrinho flor de arteiro, brincalhão e amoroso, que junto com sua irmã, a Mel,  alegrava os dias dos chacareiros, suas netas, visitantes e todos que vinham por aqui.

Nesta foto os dois manos devem ter uns três, quatro meses.

 


         Aqui o "Alemão" fazendo a alegria dum cachorreiro americano, nosso sobrinho, em dezembro de 2020.

         Como deu para ver, na família o amor por cachorros se transmite por gerações.

         E eles, os cuscos chegam na vida da gente, meio como quem não quer nada, vão nos conquistando, nos amando, demonstrando seu carinho e lealdade e, quando vimos, somos prisioneiros desse amor.

         Está certo que existe gente que não gosta de bichos, que não suporta cachorros. Também está certo que tem gente que não gosta de gente e, às vezes, nem de si mesmo. Aliás, quase sempre quem não gosta de animais, não gosta muito de pessoas e, lá no fundo, nem daquela entidade carrancuda e infeliz que o espelho reflete todos os dias.

         Mas o blogueiro gosta de bichos, de pessoas, e, por que não, de si mesmo, com todas as deficiências, defeitos e, quem sabe, algumas qualidades. E por gostar de bichos, gostava do Lobo, o "Alemão", por causa da cor dos olhos, meio claros e do focinho "ruivo".

         Como todo cachorro novo era brincalhão, arteiro, e, na chegada de seu primeiro ano, ainda gostava muito de fazer correrias com sua irmã, brincando de "pega-ladrão" ou de "esconde-esconde". Nessas correrias, volta e meia atropelavam as flores e folhagens da dona patroa, mas nem ela, nem eu ligávamos muito, pelo ar de felicidade dos dois na hora de suas aprontações. Eu, que fui piá pra lá de arteiro me identificava muito com essas duas crianças de quatro patas, dando alegria e renovando a esperança numa vida feliz, apesar dos tempos bicudos com Covid, corrupção, governo meio atrapalhado, STF, políticos e assim por diante.

         E a vida ia "nos levando", aos trancos e barrancos, mas, dentro dum balanço favorável ao lado feliz e realizador.

         Mas, sempre tem um mas, nem tudo são flores na travessia dessa fagulha da eternidade que é nossa insignificante passagem por esse mundo. A felicidade também trás suas tristezas, suas dores, suas perdas.

         E no sábado passado  fui presenteado com uma dose enorme dose de sofrimento,  angústia e sensação de impotência.

         Aconteceu assim:

         Estava trabalhando umas fotos no computador, uma tarefa cansativa e exigente. Fiquei horas sentado, com o  olhar fixo na tela do notebook e, lá pelas tantas, resolvi que era tempo de dar uma relaxada, espairecer um pouco, descansar os olhos e o material pensante.

         Quando abri a porta que sai da cozinha para a varanda, fui recebido não com a costumeira alegria do Lobo, mas ele veio com um jeito de quem estava sonolento, recém saindo duma merecido descanso. Só que veio cambaleando, em movimentos descordenados.

         Acima do olho direito uma pequena mancha de sangue.

         "Mordida de cobra," pensei, apavorado.

         E aí notei o inchaço iniciante no focinho e bastante forte no pescoço a ponto da coleira estar esticadíssima. Corri para dentro de casa e voltei com uma tesoura a fim de cortá-la, para evitar o sufocamento do bichinho.

         No pavor, sem ter o soro anti-ofídico em casa, lembrei-me do "Fenergan" humano, que temos sempre, pois sou alérgico a abelhas e pensei que o anti-histamínico pudesse atenuar os efeitos do veneno da cruzeira enquanto fosse à cidade correndo, para buscar o soro.

         E ao entrar em casa, para pegar o medicamento o Lobo fez uma coisa que nunca fizera, porque sempre foi ensinado a não entrar por todos os cômodos, apenas um acesso bem delimitado de mais ou menos um metro para dentro da cozinha e nada além disso. Pois ele seguiu-me até um dos quartos, onde, num armário, guardamos os medicamentos em local alto e de difícil acesso para crianças.

         Aquilo me comoveu e me alarmou. Se ele transgrediu o treinamento recebido é porque realmente estava mal e aquela entrada casa a dentro era um apelo: "Tchê, não me abandona, estou muito mal! Fica perto de mim, pois acho que não escapo desta!"

         O pior é que estava sozinho em casa e não sabia como fazer para prosseguir o socorro: se o levava direto junto ou se, após ministrado o Fenergan, que o tranquilizaria, iria com a maior rapidez possível buscar soro e outros medicamentos. Levar  implicaria em mais perda de tempo, providenciando sua acomodação no carro e o prejudicaria ainda mais pela exposição ao calor, que era forte naquele dia.

         Se foi acertada ou não, a decisão foi de ir acelerando o que desse e voltar imediatamente, para poder ficar monitorando o efeito dos medicamentos.

         São quinze quilômetros até a cidade, sendo dois em estrada muito do mal cuidada, de terra, com duas porteiras pra abrir. No mínimo trinta minutos ida e volta, isto sem contar com o tempo de ir a alguma agroveterinária, comprar o soro e outros medicamentos.

         E já ia planejando  pedir atendimento preferencial, pegar os remédios e passar noutro dia para fazer o pagamento, pois no caso cada minuto era precioso.

         Como faz anos que sou cliente da Equivet, onde sempre recebi bom  atendimento, fui direto para lá, até porque um de seus proprietários é veterinário. Para complicar havia uma fila de três outras pessoas do lado de fora, por causa das determinações preventivas à contaminação da Covid.

         Expliquei o caso da urgência aos que se encontravam ali e prontamente cederam o lugar.

         Entrei, mas estavam todos atendendo clientes, o que era de esperar. Ao ver a sócia-proprietária, apelei para ela:

         - Estou com uma emergência: meu cachorro foi mordido de cobra e preciso de soro e/ou outro medicamento para aplicar.

         Surpreendentemente ela, que sempre atendeu a mim e pessoas da família, com toda atenção e delicadeza, e isso durante catorze anos, respondeu:

         - Estou atendendo!

         Respondi:

         - Sim, estou vendo, mas repito que meu cachorro está morrendo e estou tentando salvá-lo. Pelo menos me diz se tens o soro.

         A resposta foi curta e incisiva:

         - Já lhe disse que estou atendendo!

         E continuou a pesar  ração para uma cliente.

         Redargui:

         - Muito obrigado pela gentileza e compreensão.

         Alucinado pela urgência, meio sem saber o rumo a tomar fui a uma outra agropecuária, a Pampa, onde compro  bem menos, até porque faz uns quatro anos que abriu.

         E a preocupação era: se onde sou freguês antigo, fui tratado desta forma, será que também não me darão a preferência?

         Tive sorte e tinha apenas um cliente saindo quando cheguei. Expliquei o caso e, para complicar tudo, a resposta foi:

         - Seu Vilsom, ontem vendemos os últimos medicamentos para o caso de ataque de cobras. Foram três cachorros e um cavalo. Os cachorros todos morreram e o cavalo está feio de vida.

         - Não tens nada, nada, nem uma dose de soro?

         - Ah, me parece que de soro e apenas o soro ainda tenho um kit.

         Felizmente confirmou-se a última dose.

         Paguei e voltei às carreiras para casa, a fim de atender o meu amigo.

         Imediatamente apliquei o soro e fiquei monitorando.

         Inicialmente pareceu que o soro iria bloquear a ação do veneno pois o inchaço pareceu estacionar e o Lobo respondia aos chamados, até conseguia erguer-se, sacudir o rabo.

         Na verdade, era apenas o meu desejo querendo que tudo ficasse bem.

         Durante a tarde do sábado o inchaço pareceu progredir pouco.

         Na entrada da noite, dei-me conta do sintoma assustador: a cabeça e o pescoço apresentavam o mesmo inchaço que teve uma outra cadela, a Shana, também mordida por cruzeira e que morreu.

         Resolvi que passaria a noite monitorando o Lobo. Até meia noite ele ainda dava sinais de consciência pois abanava o rabo quando era chamado, mas já não conseguia erguer-se. Como já tinha dado a dose máxima de anti-histamínico, não quis superdosar, temendo um choque.

         Ali pelas duas da madrugada, sua respiração era acelerada e ofegante num momento e, a seguir, fraquinha, quase imperceptível.

         Já não alimentava esperança de salvá-lo. Só restava esperar mais umas duas horas, para poder aplicar um pouco mais de anti-histamínico. Sabia que no seu estado de fraqueza, era arriscado, mas era a última chance. Também sabia que, em caso de complicação, o Fenergan iria livrá-lo de maior sofrimento, no seu final.

         Quando julguei que já havia decorrido tempo suficiente desde a última aplicação, dei-lhe o reforço do Fenergan, numa tentativa desesperada de salvá-lo, pois sua respiração era ofegante demais, com um ronco e logo depois enfraquecia muito.

         Depois de aplicada a injeção, fiquei acariciando meu Lobo, o cachorro arteiro que não podia mais se mexer.

         Enquanto o acariciava, conversava com ele como sempre costumava fazer e tentava transmitir força e coragem.

         Espero que tenha ouvido minha voz e que meu carinho o tenha acompanhado no seu último suspiro.

         Aí pelo céu dos cachorros, há de haver alguma touceira de orquídeas ou outra folhagem para receber teu esbarrão, nas brincadeiras de pega-ladrão e esconde-esconde. Dizem que aí tem um Santo, um tal de Francisco, que não fica brabo com cusco arteiro e que fala com os bichos uma barbaridade.

         Diz pra ele que mandei um abraço e espero não ter mais que ficar chorando a perda de meus amigos, não importando o número de patas.

         

        

4 comentários:

  1. que triste!! agora ele te cuida lá do céu doa cachorros!!
    se cuidem!

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  2. Chorei contigo. Mas.... era a hora dele, ainda bem que teve teu amor e atenção até seu último suspiro. Aprendi que o cão gosta de morrer perto do seu dono. E o gato saí para morrer longe. ��

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  3. Chorei contigo. Mas.... era a hora dele, ainda bem que teve teu amor e atenção até seu último suspiro. Aprendi que o cão gosta de morrer perto do seu dono. E o gato saí para morrer longe. 🙏

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  4. Obrigado.Somente hoje vi teu comentário aqui. Era a hora dele, mas a gente sofre em ver o bicho te olhando e pedindo socorro.

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