O internauta colabora

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Agradecimento Atrasado - Ao Lourenço Daniel Zanardi

 

                Esclarecimento: este agradecimento estava programado para ser enviado  ao Zanardi, assim que tivesse condições de lê-lo, pois estava traqueotomizado e tive notícias de que ele estava melhorando. Mas a ceifeira nos traiu e foi mais ágil. Queria muito, mesmo com 52 anos de atraso, reiterar-lhe que nunca esqueci o apoio recebido. Claro que na época fiz meu agradecimento, mas desejava que ele soubesse que nunca esqueci aquela demonstração de carinho e amizade genuínos. 

             Corria o ano de 1969 e um sujeito palhação, aprontador e até meio indisciplinado resolveu inscrever-se num concurso de oratória que era promovido anualmente no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, de Taquara - RS.

            Dito adolescente tinha dezessete anos, alguns anos mais jovem do que os demais concorrentes, estes, na maioria, cursando o último ano do segundo grau. Como se sabe, na adolescência, dois ou três anos a mais ou a menos representam uma diferença abissal. Por isso niguém levava fé no dito cujo concorrente.

            Mas houve um sujeito, não concorrente, mas também com seus dotes de orador, como se verá, que resolveu acreditar no "Ludovico", apelido dado pelos colegas por dois motivos: primeiro, era irmão do também apelidado "Professor Pardal", que realmente lecionava em tal Instituto e, segundo,   por viver sempre inventando e aprontando artes.

            O desacreditado concorrente, para completar, iria comparecer ao solene concurso, onde todos se vestiam com o que de melhor dispunham, num traje meio bizarro, terno  gravata e, destoando, com um pé de sapato e outro de chinelo-de-dedo. Tal "fantasia" era forçada por um furúnculo num dos dedos do pé, coisa muito comum nessa fase da vida.

            Além de ser o mais jovem, aloprado que nem o Prof. Ludovico, para completar, capengando de um pé ... Tudo preparado para que o referido concorrente fosse o último colocado, na falta duma classificação pior ...

            E o tal Ludovico realmente sentiu o peso da responsabilidade e estava inseguro, de fato. Por isso procurou aconselhar-se com um colega de mais idade, dois anos de estudo a mais, orador de sua turma no Científico e do Clube José Amador dos Reis, clube este, que buscava incentivar estes e outros talentos da rapaziada.

            - Olha, não tenho nenhuma atração especial, não trago material ilustrativo ou qualquer recurso que aumente o impacto de meu discurso. Tô bem desanimado.

            O então vice-preceptor do colégio foi categórico:

            - Não senhor, tu vais é mostrar pra eles o teu talento. Eu te conheço e sei que tens condições de ganhar este concurso ...

            Vindo de um sujeito três anos mais velho, orador em duas associações (turma de formandos e clube de incentivo a novos talentos), aquilo já me deu uma certa esperança.

            - Tchê, a única forma de eu impactar mais do que eles, com suas ilustrações, experiências e outros recursos é não ler o discursinho. Falar no peito e na raça, mas tenho medo de me atrapalhar, esquecer parte da fala e acabar fazendo fiasco.

            Ao que respondeu:

            - Que fiasco, que nada. Tu não é o Professor Ludovico? Todo o cientista louco tem boa memória. Confia nela e deixa o papel no bolso. Se te apertares, puxa o dito e começa a ler dali em diante. Nada de errado nisso.

            - E como vou saber se o volume da voz, a entonação, os gestos estão bons?

            - Vamos combinar o seguinte: eu sento num local de tua fácil visualização. Mão com a palma para baixo, à meia altura - estás te saindo mais ou menos. Se tiveres que falar mais alto, mão com a palma para cima e subindo. Se estiver tudo bem, dedo polegar no tradicional positivo.

            - Certo. Estamos combinados.

            Chegou a hora e lá me fui, capengando, suando até pelas unhas,  de nervoso, inseguro se devia ou não puxar o papel e ler minha fala, como todos os demais.

            - Excelentíssimo Senhor Diretor desta Escola - comecei, sem o papel e fiz toda a saudação sem o amuleto.

            Resolvi bancar o corajoso e larguei o primeiro parágrafo no peito, na raça e na memória ...

            "Guardada com carinho num canto ..."

            E o pessoal aguardando que o Ludovico puxasse o papelucho-cajado salvador.

            Mas que papel que nada. Segundo, terceiro, quarto parágrafos e nada do guri sacar do papelório.

            Só que o público e os jurados não contavam com minha/nossa astúcia: é que desde o início, havia um sujeito enlouquecido na assistência, que não fazia um mero gesto de positivo com uma das mãos. Começou com a mão direita erguida, depois juntou  a esquerda e, para que não pairasse dúvida sobre a excelência de meu desempenho oratório, não se conteve e ficava de pé seguidamente, com as duas mãos positivando!

            Com tal dose de entusiasmo, me enchi de brios e prometi para meus botões e chinelo-de-dedo que não puxaria do papel nem que chovesse canivete.

            Lá pelas tantas, esqueci uma parte do discurso, mas lembrei-me do que tratava. Me atraquei no improviso e, justo em  parte onde havia umas frases no imperativo, conjugação verbal mui problemática. Mesmo assim não errei e, para minha sorte, o branco passou.

            O sujeito não parava de erguer-se e positivar meu desempenho invectivante sobre os terríveis malefícios do álcool.

            Não fosse aquele apoio incondicional, público e assumido, tenho minhas dúvidas sobre o resultado que veio depois:

            O desacreditado "piá arteiro", palhação, aloprado deu um "chocolate" nos concorrentes.

            A galera gostou tanto do resultado que este escrevinhador/orador, foi conduzido pelos demais colegas em delírio, erguido nos ombros da rapaziada até o dormitório, coisa que nunca acontecera nem se repetiu depois.

            Não, não pensem que estou aqui para me vangloriar: tenho absoluta certeza de que aquela vitória  teve um único responsável:

            LOURENCO DANIEL ZANARDI

          Que foi apoiar outros amigos em algum lugar do Universo no dia primeiro de fevereiro de 2021.


Zanardi é o do centro, de pé


Como se vê, foi orador de sua turma, tinha como alvo cursar Medicina, o que realmente fez. Salvou muitas vidas e possivelmente tenha sido infectado pelo Coronavírus tentando salvar outras. 



Daniel é o terceiro da esquerda para a direita. Também orador. 

Este discursinho só venceu o concurso graças ao incondicional apoio do amigo que foi chamado antes da hora. Daniel: continua  salvando vidas. Se sobrar um tempinho apoia algum adolescente inseguro nalguma disputa oratória!


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