O internauta colabora

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domingo, 28 de março de 2021

O Ultraleve Kamikase do Pacheco


         Pois o Pacheco gostava muito de furungar nos seus “aparelhos”.  Se estivesse ruim, tinha que melhorar, se bom, tinha que revisar, se  estivesse excelente, tinha que abrir para ver como é que se fazia para deixar daquele jeito ...

 

         E mais futricava do que voava.

 

         Num belo dia encasquetou que o seu ML 200, 300, 400, 401, sei lá, estava com algum problema de carburação. E mãos à  obra.

 

         Desmontou o carburador, limpou, assoprou, regulou e tudo o mais  que uma furungação de respeito exige...

 

         Veio a hora da montagem que, para mim, é a pior de todas: como mecânico desmontador, até quebro o galho, mas como montador, sempre enfrento a famosa sobra de peças ...

 

         Pois o Pacheco era um futricador mais preparado: montou o  carburador e não sobrou peça. Infelizmente.

 

         Após montado, nada restava, senão colocar o carburador no ultraleve. Colocado, havia que testar o funcionamento.

 

         Como o aviãozinho ficara um bom tempo sem funcionar, a bateria se fora e o jeito era fazer pegar na manivela. O improvisado mecânico aeronáutico passou à categoria de relojoeiro:  dê-lhe corda ... E é bom esclarecer que ele era dono de uma relojoaria.

 

         O ML estava meio temperamental naquele dia e não queria pegar. Ou queria preservar o dono.

 

         Finalmente, quando o homem já estava com o braço que nem o do Popeye de tanto dar hélice, o ML pegou.

 

         Como todos sabem, neste tipo de avião, ao se dar hélice, fica-se numa posição bastante perigosa, entre a dita e o conjunto leme/profundor.  Pois foi nessa posição perigosa que o motor pegou a pleno, pois o novel especialista em carburação montara alguma coisa errada.

 

         Veio, então, a luta por segurar a cavalaria do motor, que, no caso tinha comido muito milho e estava com energia de sobra. Não deu outra: o avião foi mais forte e a traseira do ultraleve passou por cima do apavorado mecânico que, por pouco não foi arremessado contra a hélice girando a mil.

 

         Avião é feito para voar e foi o que aconteceu com o recém-consertado ultraleve. Horas e horas decolando, pousando, cruzando pelos céus, que, no subconsciente da máquina, ficam gravadas todas as dicas do piloto ou instrutor, e ninguém ignora que avião tem alma, vontade, temperamento ...

 

         Ganhou os céus de Gravataí o avião do Pacheco.

 

Mas não pensem que decolou de uma pista em meio a grande área deserta. O aeródromo além de curto, cercado de redes elétricas e árvores, ainda tinha a “vantagem” de estar rodeado por vilas na maior parte dos lados e,  num outro, pela obra da GM.

 

         Todos nós, pilotos, não resistíamos à tentação de ver o progresso da primeira fábrica de automóveis a se instalar no RS. Por isso o aviãozinho já sobrevoara várias vezes tal obra e, como ultraleve também é bicho curioso, mesmo sem piloto, o ML encasquetou de ver a montadora.

 

         Quando o Pacheco viu o avião rumando para aquelas bandas, dizem que foi um tal de pegar-se com todos os santos conhecidos e os que estão por ser canonizados. Se caísse nas instalações da multinacional, mesmo vendendo tudo o que tinha, o homem teria de reencarnar um montão de vezes, para pagar o prejuízo.

 

         Dê-lhe rezar.

 

         Ou por serem fortes as rezas, ou por ter quase todo o avião alguma tendência, o aeromodelo criado a Toddy começou a fazer uma curva.

 

         Vendo as preces atendidas, o Pacheco, homem reconhecido, começou a rezar pela graça alcançada.

 

         O solitário brinquedo voador curvando, curvando.

 

         Quando o fervoroso cristão abre os olhos, eis que um ultraleve kamikaze vinha na final dum mergulho certeiro e mortal, bem na direção do seu amado dono.

 

         Que rezar, que nada. O Pacheco, mais o seu Oly, o guarda-campo e guarda-sítio, correram para trás das colunas do hangar, na esperança de não serem atingidos diretamente pela mortífera aeronave.

 

         O guerreiro invisível sabia muito bem o que queria e prosseguia com os dois na alça de mira.

 

         Foi um tal de pedir perdão dos pecados, que os céus, donde vinha o perigo, tivessem piedade e acolhessem duas almas cristãs no paraíso.

 

         O Céu ou o Inferno deviam estar com problemas de superlotação e, uma providencial rajada de vento bateu no leme da máquina exterminadora.

 

         O ultraleve recém-regulado, com motor afinadíssimo, rendendo todos os hps possíveis foi, incrivelmente,  estatelar-se numa lavoura de cana a apenas 100 metros da pista, mas ainda dentro do sítio de seu piloto, sem causar qualquer dano a terceiros. Nem destruíra a GM, nem matara ou ferira os dezoito ocupantes de cada uma das casinhas ou barracos das vilas próximas.

 

         Dizem que, depois desse susto o Pacheco furungava, mas, em carburador, nunquinhas.

 

         O referido é a mais pura verdade e dou fé.

 

        

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